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Algumas escolas vão contra a lei e recusam ou dificultam a matrícula de crianças com deficiência 

Foto: Getty Images

Malu contou que bateu às portas de cerca de 15 instituições de ensino no Rio de Janeiro na tentativa de encontrar uma escola para o filho. A mãe , que buscou instituições públicas e privadas, que, segundo ela, seguiam uma filosofia bastante tradicional. Mas ela disse que as portas se fechavam sempre que falava sobre a síndrome genética diagnosticada no menino, que provoca déficits cognitivos e alterações comportamentais. “Disseram que havia vagas nas escolas públicas, mas não havia recursos e professores suficientes”, disse Malu, que pediu o anonimato em reportagem da BBC News Brasil. “Pensei que pelo menos seriam honestos”.

Devido ao incidente, a Secretaria de Educação do Rio de Janeiro, que gere a creche, informou que “tomou medidas para melhorar e ampliar os serviços para os alunos de educação especial”, uma delas foi aumentar o número de alunos especializados em crianças com deficiência.

“Numa escola privada”, continuou Malu, “fui a uma reunião e mostraram um vídeo com várias crianças, incluindo uma com síndrome de Down, sugerindo que a escola aceitasse diferentes tipos de estudantes.” Mas disse que, quando se inscreveu, não havia nenhuma vaga disponível. Falei com o professor e ele disse que é o do meio das duas crianças da turma e que, se acrescentasse uma terceira, impediria que as restantes crianças aprendessem.

Malu conta que este tipo de rejeição tem ocorrido repetidamente em várias escolas: “Demorei a perceber”. Malu descreve a medida como uma prática ilegal. Há dez anos, foi promulgada a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, para garantir os direitos das pessoas com deficiência, como o acesso e a permanência em todos os tipos de instituições de ensino. Esta lei proíbe as escolas de matricular alunos com deficiência. A pena para a rejeição de um aluno desta forma pode chegar aos cinco anos de prisão, além de uma multa. Por outro lado, os Preceitos e Bases da Lei, que definem e regulam a educação no Brasil, prevêem a possibilidade de atendimento especial caso a integração no ensino regular não seja possível. No entanto, os números mostram que a entrada em vigor da Lei Brasileira de Inclusão representou um marco para a educação inclusiva. Por todo o país, o número de crianças e adolescentes autistas ou com deficiência matriculados nas escolas regulares, ou seja, o número de escolas que não têm turmas especiais ou especiais destinadas apenas a este grupo, tem aumentado nas últimas duas décadas. Segundo o censo de 2022 do IBGE, o número cresceu de 145 mil em 2003 para 1,7 milhões em 2023.

Hoje, segundo o censo de 2022 do IBGE, 2% dos alunos do ensino básico e 1,2% dos alunos do ensino secundário são diagnosticados com autismo.

Apesar dos avanços da lei, a sua implementação na prática é mais complexa. A BBC News Brasil falou com seis famílias no Rio de Janeiro e em São Paulo que enfrentaram dificuldades e foram mesmo impedidas de matricular os filhos com o diagnóstico em várias escolas.

“Cancelaram a matrícula quando souberam do diagnóstico”, disse uma delas.

“Disseram que não havia recursos ou pessoal suficiente” para cuidar de uma criança com a condição.

Algumas famílias pediram que as suas identidades, bem como os nomes das escolas, não fossem revelados para evitar maiores constrangimentos devido à divulgação de um assunto já desafiante.

Outras pessoas, como a consultora financeira Juliana Ghetti, deram os seus nomes às autoridades para divulgação. É mãe do João, agora com 6 anos, uma criança autista não verbal com dificuldade em comunicar através da fala. Juliana conta que se deparou com uma presença estranha na escola Mackenzie, em São Paulo, quando solicitou uma reunião online com a família, depois de ela e o marido já terem visitado a escola. A reunião virtual, segundo a própria, foi marcada depois de ter dito que o filho era autista. “A reunião durou mais de uma hora e, no final, disseram-me que não havia tempo para ele naquele momento”, conta Juliana. “Disseram-me que tinha três filhos com deficiência durante o período escolar”. Quando a resposta foi negativa, Juliana denunciou a recusa ao Ministério Público de São Paulo (MPSP) em 2022.

O diretor da Mackenzie, Ricardo Cassab, disse à BBC News Brasil, em comunicado, que a escola “não se recusa a incluir alunos ou qualquer outro aluno que queira fazer parte da família Mackenzie”. A escola informa agora que 15% dos alunos do Mackenzie — 356 no total — são neurotípicos, e 75 profissionais estão envolvidos no programa de inclusão.

As pessoas cujo desenvolvimento neurológico difere do normal são denominadas neuro atípicas, ou seja, apresentam algum tipo de neuro divergência, como as que sofrem de perturbações como a perturbação de défice de atenção e hiperatividade (TDAH), dislexia, autismo e outras condições.

O diretor do caso Julian afirma que “a atual administração desconhecia qualquer relato”.

“Como o caso remonta há quase quatro anos, a verificação dos dados não foi simples e não gerou qualquer retorno ao nosso sistema de controle”, diz Kassab.

Com acesso à denúncia, a BBC News Brasil constatou que o inquérito  junta-se a outras 11 denúncias semelhantes registradas noutras escolas privadas da cidade de São Paulo. Numa delas, a escola impôs uma taxa adicional à família de uma criança com deficiência. O MPSP instaurou então um processo no final de 2022 para monitorizar e avaliar a inclusão nas escolas privadas de São Paulo, que ainda está a decorrer.

Além das objeções das escolas, o Ministério Público afirmou que as medidas adotadas pelas escolas para monitorizar e avaliar a educação especial inclusiva foram “insuficientes” e que as instituições erraram ao identificar as deficiências e perturbações destes alunos e o que a lei determina sobre os direitos destes alunos e os deveres das escolas.

Na visão de MacKenzie, o MPSP alega que a própria Secretaria Municipal de Educação, através de um procedimento, constatou “impropriedades” no programa de inclusão da escola e solicitou algumas medidas corretivas, que foram tomadas no ano seguinte.

Juliana disse ao juiz que ouviu o caso que reconhecia que denúncias deste tipo são raras – isto é feito através do Ministério Público, do Procon ou mesmo na esquadra da polícia. Foi a única, entre todas as famílias com quem a BBC News Brasil falou, que formalizou a queixa. A pedido da BBC News Brasil, o Procon de São Paulo realizou um levantamento sobre as denúncias de recusa de escolas e crianças com deficiência: foram quatro no ano de 2024 na cidade de São Paulo.

Gráfico demonstra a acessibilidade de autistas em instituições regulares

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