Foto: Natasha Marques Fonte: Acessória de Comunicação do Instituto Butantan
Longe de serem apenas números nas estatísticas, as pessoas com deficiência no Brasil são protagonistas de narrativas revolucionárias, especialmente no campo da ciência. Suas experiências de vida, muitas vezes marcadas por desafios únicos, tornam-se poderosas fontes de inovação e pesquisa, demonstrando que a diversidade de perspectivas é um motor para o avanço.
Um exemplo marcante é Fabiana Bonilha, uma servidora de 44 anos do Centro de Tecnologia da Informação (CTI) Renato Archer. Cega desde a infância, Fabiana transformou sua paixão pelo piano em uma pesquisa pioneira. Ela lidera um estudo inovador focado na transcrição de partituras musicais da tinta para o Braille, desenvolvendo uma metodologia mais ágil. Sua formação, com mestrado e doutorado em Música, demonstra a profundidade de sua dedicação acadêmica. A parceria com a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) visa garantir que essas partituras cheguem a outras pessoas com deficiência visual, democratizando o acesso à cultura e à educação musical.3 A história de Fabiana ilustra como a experiência pessoal com a deficiência pode ser um motor direto para a inovação científica e tecnológica. Como uma pessoa cega e musicista, ela identificou uma lacuna crítica — a dificuldade de acesso a partituras musicais em Braille. Sua paixão e sua formação acadêmica a levaram a aplicar o método científico para resolver um problema que a afetava diretamente e a uma comunidade inteira. Isso demonstra que a deficiência não é uma limitação a ser superada, mas uma perspectiva única que pode gerar conhecimentos valiosos e impulsionar a criação de soluções que de outra forma não seriam desenvolvidas por quem não vivencia essa realidade. É um caso claro de como a diversidade de experiências leva à diversidade de soluções.
Outra trajetória similar é a de Anna Oller, uma bióloga de 23 anos da Unicamp, diagnosticada com distrofia muscular de cinturas aos nove anos. A preocupação com o futuro e a dificuldade de encontrar emprego a levaram a um caminho inesperado na pesquisa. Anna transformou sua própria condição em objeto de estudo, trabalhando no Laboratório de Regeneração Nervosa do Instituto de Biologia da Unicamp. Seu foco é entender e avaliar o efeito anti-inflamatório e neuroprotetor de um fármaco na Distrofia Muscular de Duchenne, uma forma grave da doença.3 A trajetória de Anna vai além da pesquisa acadêmica; ela representa um ato de empoderamento. Ao transformar sua própria doença em objeto de estudo, Anna não só contribui para o avanço do conhecimento médico, mas também se torna uma voz ativa pela inclusão na ciência. Sua presença na área demonstra que a ciência se beneficia enormemente da diversidade de perspectivas e que a inclusão é um caminho para a excelência e a relevância social.
A ciência e os métodos científicos também se manifestam na história de Natasha Farias Marques. Atriz e maquiadora, Natasha sofreu um grave acidente de moto em 2014 que resultou em 61 cirurgias e sequelas permanentes. Foi durante sua longa internação e a proximidade com profissionais de saúde que ela encontrou um novo propósito na biomedicina. A experiência a levou a questionar processos biológicos e a se encantar pela área, realizando iniciação científica na USP e especialização no Instituto Butantan.4 Sua pesquisa focou na dor e inflamação induzidas pelo veneno da jararaca, e ela destaca a importância de considerar as diferenças de dor entre os sexos nas pesquisas científicas. Natasha defende incisivamente a acessibilidade prática, ressaltando a importância de dialogar com PCDs para criar ambientes mais acessíveis, como bancadas mais baixas em laboratórios para cadeirantes. Sua frase “a deficiência não é doença; é apenas uma condição. Isso não te impede de seguir uma graduação, de ser cientista, de fazer o que você quiser na vida” é um poderoso manifesto contra o capacitismo.4 A experiência de Natasha Farias Marques oferece uma compreensão crucial sobre a diferença entre acessibilidade teórica e prática. Sua defesa por “bancadas mais baixas em laboratórios” vai além das grandes políticas e leis, apontando para a necessidade de adaptações concretas e cotidianas que são frequentemente negligenciadas na implementação da inclusão. Além disso, sua afirmação de que “a deficiência não é doença; é apenas uma condição” é uma redefinição fundamental do conceito de deficiência, desafiando a visão patologizante e capacitista que vê a deficiência como uma falha a ser “curada” e a ressignifica como uma característica da diversidade humana. Esta mudança de perspectiva é essencial para uma inclusão genuína, alinhando-se com a necessidade de uma “alteração da visão social” para que a inclusão se torne uma realidade.5






